AS TRÊS REGRAS DO QUADRINHO CEARENSE
Este ano o Manicomics faz 20 anos. Para quem não sabe,
Manicomics foi (talvez) o mais importante fanzine de quadrinhos da história das
HQs cearenses. Durante seus anos de publicação (a qual envolvia impressão de
baixo custo e distribuição relativamente regular), funcionou como uma nau desbravadora
para um grupo emergente de novos autores, os quais iam do experimentalismo aos
estilos clássicos com desenvoltura e comprometimento, levando-os a serem
laureados três vezes com o HQ Mix, mais importante premiação brasileira da nona
arte.
Apesar dos vários bons nomes que passaram pelo Manicomics, três
se destacam não somente por terem sido os criadores e editores do título, mas
pelo impacto que seus trabalhos tiveram na identidade e mercado de quadrinhos
cearenses como um todo e que podem ser sentidos até hoje: JJ Marreiro, Daniel
Brandão e Geraldo Borges. Em sua homenagem, nesse texto quero contar as
histórias sobre eles que me levaram a criar as três regras do quadrinho
cearense.
FAÇA PORQUE AMA: Era 2011. Eu estava participando do meu
primeiro FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) com um pequeno grupo de
cearenses e, apesar de muito empolgado, me sentia um peixe fora d’água, com
algumas poucas (e bobas) revistas xerocadas, enquanto outros artistas tinham
livros com capas cartonadas e lombadas costuradas. O sentimento de desistência
me assaltava como um saci na mata escura. Geraldo Borges chegou lá pelo segundo
ou terceiro dia do evento. Ele já era relativamente conhecido, tendo
participado de edições americanas de super-heróis e recebendo elogios rasgados
de grandes autores. Geraldo é o típico cara que consegue agradar gregos e troianos com
seu jeito ligeiro de andar e conversar e seu convidativo sorriso, como alguém
cujo líquido amniótico era altamente concentrado em cafeína. Em sua primeira
noite, ele encontrou um tempo para jantar conosco entre alguns layouts de
página e sua procura por hospedagem. Após várias histórias divertidas sobre sua
carreira, Geraldo falou (em seu primeiro momento meio sério e pensativo): “a
verdade… é que não importa bem pra quem eu trabalhasse, contanto que eu fizesse
quadrinhos, porque é isso que eu amo fazer”. Uma frase impactante e que ficou
bem marcada em mim e me ajudou a seguir fazendo quadrinhos.
FAÇA SE DIVERTINDO: Lá por meados de 2012-2013 eu comecei a
trabalhar na mesma instituição que JJ Marreiro. Trabalhávamos na área da educação e,
por várias vezes, quadrinhos foram nossa pauta de conversas e sugestões de uso
como ferramentas educativas. JJ tem uma vasta experiência como professor e
sempre trazia algo interessante aos materiais que produzíamos. Jota é uma das
pessoas mais criativas que conheço, capaz de acessar uma infinidade de ideias
tão rápido como um mágico puxa lenços de suas mangas. Com o tempo eu comecei a
me perguntar porque ele não colocava essas ideias debaixo do braço e seguia pra
conquistar o mundo por si mesmo. Sem que eu precisasse falar o que se passava
em minha cabeça, a resposta veio numa conversa informal em que ele disse: “Ah
os quadrinhos que faço aqui são trabalho. Eles possuem um direcionamento e
objetivos pré-definidos por outro. Quando faço MEUS quadrinhos eu sigo uma regra:
eu tenho de me divertir fazendo.” Assim entendi o quanto quadrinhos era algo
bem maior, pessoal e libertador para ele.
Sempre que me convidam a falar de quadrinhos cearenses eu cito
essas três “regras”. As pessoas que me ensinaram não são mestres incorruptíveis
da nona arte, que começaram sabendo e acertando todos os passos da jornada que
é viver de quadrinhos no Brasil. Os 20 anos da revista que os lançou e publicitou
estão aí pra provar isso. Acima de tudo, no entanto, são pessoas que
descobriram seu lugar dentro do meio e não se negaram a dividir essa descoberta
com outros, por isso sempre os cito como criadores dessas lições e que margeiam
minha opinião e crença sobre quadrinhos.
(Matéria publicada originalmente na RIvista edição 170. Editora RISO)
(Matéria publicada originalmente na RIvista edição 170. Editora RISO)














